No inverno, o Rio Tocantins, devido as fortes chuvas nas cabeceiras, desde o Araguaia, incha e toma suas próprias margens: transborda a si mesmo.
Os ribeirinhos moram em palafitas à beira do rio. Este, quando incha, passa-lhes roçando os assoalhos: dormem os caboclos ouvindo as águas a ferir as colunas de acapu de suas moradas.
Em março, quando o Rio chega a sua maior altura, as palafitas são barracas flutuantes. O rio passa, as palafitas ficam, firmes e frágeis a combater a correnteza.
Em 1980, na maior enchente que o Tocantins sofreu no Século XX, muitas palafitas naufragaram, levadas junto com as árvores ribeirinhas que se debruçam às margens.
Os crepúsculos de inverno são maravilhosos.
O inverno fecha o tempo. Torna-o de um gris pálido, manchado de nuvens negras que carregam a chuva alva.
Os cúmulos ameaçam exterminar o que existe de sólido e transformar tudo em água. Juntam-se em uma coluna intransponível ao Sol que teima em brilhar.
Vez por outra ele vara teimoso por entre uma brecha descuidada, aberta por alguma lufada de vento: trombetas que anunciam a tempestade.
Quando o Sol vara assim, geralmente abre caminho para uma tímida derramadeira, uma nuvem marota que está por trás dos cúmulos e que joga uma chuva fina e copiosa: em pleno ápice do inverno, uma chuva de verão.
O Sol ardendo, a chuva fina e para completar o quadro, a refração da luz do sol nas gotas de água que caem: o arco-íris.
Isto tudo pendurado em uma moldura na parede do firmamento, pois em todo o derredor o inverno continua ameaçador, apertando o cerco ao verão que atrevidamente se fez em seu meio.
Não mais que de repente o céu clareia assustado. O firmamento racha em pedaços luminosos. Vem o estrondo em seguida. O sol recua. Mais luzes, mais cortes luminosos no céu. Os raios galopam e, no vácuo, os gritos tonitruantes do trovão.
A pequena derramadeira é engolida por uma tromba d’água que cai sem piedade.
O sol, que instantes atrás varria a sombra da varanda, ensimesmou-se. O arco-íris recolheu-se.
A procela agora reina: quer furar a terra com o peso da água que derrama. Quer incinerá-la com seus raios. Quer deixá-la surda com seus trovões.
Mas a fúria cansa cedo. A tempestade logo extingue a si mesma. Basta-se. Em no máximo quinze minutos ela senta esbaforida. Passa a mão na testa para tirar o suor da liça: é a última rufada de água.
O céu clareia de um prateado com tons de escarlate: é o sol querendo esperar a lua. É a lua correndo para querer ainda encontrar o sol.
A Lua ilumina o Rio Tocantins, mostrando-lhe as rugas que deslizam rumo ao mar. O rio, como eu, está envelhecendo.
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